o rato roeu a roupa do rei momo

stêvz
2 min readMar 1, 2019

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Alô meu povo! Abram alas que aí vem o desfile das campeões deste ano. A alegria é contagiante, os participantes demonstram criatividade nas alegorias e os enredos estão mais relevantes do que nunca: a unha encravada de adão, a solidão de plutão e as sombras da caverna de platão ditam o tom. Rufem os tambores, batuquem os repiniques e chacoalhem as pandeirolas; as passistas adentram a avenida a passos largos, o mestre-sala e a porta-bandeira rodopiam cortejando os turistas, enquanto o primeiro carro da comissão de frente axalta os patrocinadores. A bateria está animada: a rainha comanda os algoritmos dos tamborins, as celebridades acenam dos camarins e o busto do prefeito balança-mas-não-cai do topo da pirâmide de isopor. Os homenageados deste ano sorriem na primeira fila, os carnavalescos abanam as teses de doutorado, os jurados abusam dos adjetivos, o confete toma conta do salão. “É a maior festa do mundo!”, gritam à multidão. Ao vivo, em cores, purpurina e lantejoulas. A estimativa este ano é de ultrapassar os sete bilhões de foliões saindo pelo ladrão, fora os outros sete milhões de ladrões saindo com a carteira dos foliões, e o sambódromo já ficou para trás faz tempo: o bloco invade a rua, os guardas de trânsito controlam o cruzamento dos carros alegóricos, a confusão avança em marcha lenta, os ambulantes vendem cerveja quente, licitações e apólices de seguro, os semáforos piscam desnorteados. Lá pelas tantas, vem o carro dos bombeiros fantasiados, com os salários atrasados, apagar o fogo da multidão. Já estamos quase na quarta-feira, os políticos aproveitam para fazer campanha, o desfile da santa se choca com a procissão dos deputados, e lá vem o comício da escola de samba em marcha ré, pra complicar a situação. O horário de verão desiste de vez, a multidão revoltada enforca todos os feriados em praça pública, o telejornal faz vista grossa e se prepara para anunciar o resultado do bicho… logo após uma breve palavrinha dos nossos patrocinadores.

Este texto foi escrito por volta de 2012, e possivelmente fará parte de um livro chamado “A barriga com um umbigo no meio” algum dia. Ou não.

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